terça-feira, 8 de novembro de 2022

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda: Jornada Nacional de Luta pela Moradia. Fonte: Campanha Despejo Zero

Dia 31 de outubro último (2022) venceu o prazo da ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição), do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibia despejos no país no campo e na cidade, em ocupações coletivas e em casos de inquilinos individuais durante a pandemia. Os partidos PSOL e PT, RENAP[2] e Terra de Direitos[3], e dezenas de outras Organizações de Direitos Humanos pleitearam pela 4ª vez “a extensão do prazo da medida liminar concedida até que advenha o julgamento de mérito da ADPF 828, ou por mais 6 (seis) meses ou até que cessem os efeitos sociais e econômicos da Pandemia da covid-19 e, deste modo, continuem sendo e/ou sejam suspensos todos os processos, procedimentos ou qualquer outro meio que vise a expedição de medidas judiciais, administrativas ou extrajudiciais de remoção e/ou desocupação, reintegrações de posse ou despejos de famílias vulneráveis, enquanto perdurarem os efeitos sanitários, sociais e econômicos da Covid-19.” O ministro do STF Luis Roberto Barroso não estendeu o prazo da ADPF 828. Entretanto, o ministro Barroso determinou um Regime de Transição para que, “de forma gradual e escalonada”, “para não geral convulsão social”, se retome o cumprimento de reintegrações de posse, mas com a condição de que seja garantido alternativa digna, adequada e prévia para todas as famílias das ocupações para que o direito à moradia seja garantido, conforme prescreve a Constituição Federal.

A brutal injustiça agrária no Brasil, que concentra 50% da terra nas mãos de apenas 2% de pessoas ou empresas, tem impulsionado um imenso êxodo rural nos últimos cinquenta anos e gerado uma dramática injustiça urbana, que leva à existência atual de um altíssimo déficit habitacional no país, com mais de 6 milhões de famílias sem moradia no Brasil e sendo que mais da metade da população de 215 milhões de pessoas vive em condições inadequadas de moradia, e 52%, segundo dados de 2019, pagam aluguel acima de 30% de sua renda. Nos últimos quatro anos, com o empobrecimento das famílias, durante o desgoverno do inominável, aumentou-se o número e a quantidade de favelas nas cidades médias e grandes do Brasil. Pesquisa realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2021 revelou que 31% das pessoas estão na rua há menos de um ano, sendo 64% por perda de trabalho, moradia ou renda. Destes, 42,8% afirmaram que, se tivessem um emprego, sairiam das ruas[4]. Pesquisa do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG) revelou que, em 2019, eram 174.766 pessoas em situação de rua no país, enquanto, em setembro de 2022, o número saltou para 213.371[5]. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), registra o avanço da fome: são 15,5% de domicílios com pessoas passando fome, o que corresponde a 33,1 milhões de pessoas.

Estão em ocupações famílias inteiras, pessoas desempregadas que, para não irem para as ruas, ocuparam terrenos e prédios abandonados, que não cumpriam sua função social. Cerca de 75% de quase um milhão de pessoas ameaçadas de despejo são mulheres, crianças e idosos; são pessoas que não suportam mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nas costas de parentes ou ainda sobreviver nas ruas.

Foi imprescindível e vital a decisão do STF de suspender os despejos durante a pandemia da covid-19. O STF acolheu reivindicação da Plataforma Despejo Zero, Campanha Nacional por Despejo Zero, integrada por 175 Movimentos Sociais Populares e Organizações de defesa dos Direitos Humanos. Se a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica era ficar em casa para evitar pegar covid-19, teria sido um massacre brutal empurrar para as ruas cerca de 500 mil famílias, cerca de 2 milhões de pessoas, que estão em ocupações no campo e na cidade no país. Atualmente, segundo levantamento da Plataforma Despejo Zero, se tivesse simplesmente terminado a ADPF 828, a que proibiu os despejos até 31/10/2022, cerca de 200 mil famílias, ou seja, quase 1 milhão de pessoas, seriam despejadas imediatamente e jogadas na rua.

Entretanto, após adiar por três vezes a proibição de despejos durante a pandemia, exceto os ministros bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça, nove ministros do STF, dia 02/11/22, confirmaram a decisão do ministro Luis Barroso que determinou um Regime de Transição para os tribunais lidarem com as Ocupações coletivas que estão sob decisões judiciais de reintegração de posse. Segundo o Regime de Transição determinado pelo STF, os tribunais estaduais e regionais federais devem criar imediatamente Comissões de Conflitos Fundiários para mediar os conflitos que envolvem todas as famílias em ocupações que estão sob decisão judicial que manda despejar quem está em ocupações. “As Comissões devem ser permanentes e ter a presença permanente de órgãos públicos municipais, estaduais e federais de habitação, regularização fundiária, assistência social, saúde e de proteção de direitos de vulneráveis (ex.: conselho tutelar), além da Defensoria Pública e do Ministério Público. E devem ter como referência o modelo bem-sucedido adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná”, definiu o STF. Diz a decisão do STF: “As Comissões de Conflitos Fundiários devem fazer visitas técnicas, audiências de mediação e, principalmente, propor a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada”.

As Comissões têm o “objetivo de mediar conflitos fundiários de natureza coletiva, rurais ou urbanos, de modo a evitar o uso da força pública no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou de despejo e (r)estabelecer o diálogo entre as partes”. Frise-se que a decisão do STF exclui o uso da força pública (de polícia) na execução do despejo. Ou seja, as Comissões de Conflitos fundiários dos Tribunais devem ser exitosas na construção de justa mediação de forma que garanta o direito à moradia. Logo, as Comissões não poderão ser “só proforma” e encaminhar despejo após sua atuação. “As Comissões poderão atuar em qualquer fase do litígio, inclusive antes da instauração do processo judicial ou após o seu trânsito em julgado”, diz a decisão do STF. As Comissões deverão ainda “atuar na interlocução com o juízo no qual tramita a ação judicial, interagir com as Comissões de Conflitos Fundiários instituídas no âmbito de outros poderes e órgãos, como o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública etc.” “Nos casos judicializados, as Comissões funcionarão como órgão auxiliar do juiz da causa.” A decisão do STF enfatiza ainda: “Os juízes devem ponderar os impactos sociais da execução das reintegrações de posse e atuar, nos limites da sua jurisdição, a fim de evitar ao máximo a violação de direitos fundamentais.

Na decisão do STF o ministro Luis Barroso enfatiza: “Volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo”, ou seja, apenas quando se comprovar realmente que é justa a decisão de reintegração de posse e após se arrumar alternativa digna, prévia e adequada de moradia, se faculta a realização de despejo. Despejo forçado, jamais, pois violenta os direitos fundamentais da pessoa humana assegurados na Constituição de 1988.

Das alternativas dignas e prévias que abram espaço para despejo precisam estar excluídos como suficientes o cadastramento pelo poder público municipal e inclusão em fila de espera da moradia, o envio para abrigos públicos, por serem insalubres, inadequados e com rígidas restrições à liberdade das pessoas, e o pagamento de auxílio aluguel, (auxílio moradia), por ser migalha super contraditória: a) o valor é insuficiente, só uns 30% do que se precisa para alugar moradia digna; b) Em muitos casos, as prefeituras param de pagar após alguns meses; c) Hiperinflaciona os aluguéis na cidade; 4) Desresponsabiliza o prefeito, o governador e o presidente sobre a necessidade de implementar política pública de moradia efetiva para todo o povo, o que joga novamente as pessoas nas ruas ou as forçam a fazer outras ocupações.

O STF determinou respeito à dignidade humana e que em casos de decisões administrativas que exijam despejo de pessoas vulneráveis “não pode haver a separação das pessoas do núcleo familiar” em caso de oferecimento de abrigamento público ou outras moradias dignas. O justo e constitucional é proibir definitivamente despejo de ocupações onde se comprove que a propriedade estava ociosa, abandonada e sem cumprir a função social, pois as ocupações coletivas por necessidade são uma forma de pressão constitucional assegurada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em jurisprudência da lavra do ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, para que se cumpra o direito à terra e à moradia, assegurado na Constituição. Contudo, a decisão do STF é um passo importante, uma opção ética e responsável para lidar com a injustiça agrária e urbana que causa as ocupações e de como resolvê-las de forma justa, ética e pacífica. É imprescindível que o juízo de um conflito fundiário urbano ou rural verifique pontos como a existência de título válido por quem demanda a desocupação e o cumprimento da função social do imóvel por seu titular.

Em Minas Gerais, a decisão do STF, acima referida, na prática, exige o fortalecimento e a ampliação da autonomia da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e do CEJUSC (Central de Conciliação do TJMG) que deverão lidar de forma responsável socialmente com todos os conflitos urbanos e camponeses. Esperamos sensatez, espírito ético e republicano dos tribunais no cumprimento da decisão do STF. Por isso, todos nós dos Movimentos Sociais e todo o povo das Ocupações seguiremos lutando. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e o direito à moradia precisa ser garantido. Todo despejo é desumano e brutal, pois destrói moradias, histórias, sonhos e mata de muitas formas as pessoas. Viva a luta por acesso à terra e à moradia!

O STF determina que sejam seguidas as Resoluções n.º 10/2018 e n.17/2021 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Resolução nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que “recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).” Portanto, seguiremos lutando para que o Congresso Nacional aprove lei no sentido de adequar a política fundiária e habitacional do país que garantam justiça agrária e urbana. É injustiça voltar a despejar desconsiderando a análise da função social da propriedade e sem alternativa adequada e prévia. Uma leitura atenta da decisão do STF conclui que fica proibido despejo sem alternativa adequada e prévia.

08/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Levantemo-nos! À luta por direitos, já! - Por frei Gilvander - 05/11/2022

2 - 220 Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG, preservam APP e se liberta da cruz do aluguel

3 - Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

4 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

5 - Segue Sexta-feira da Paixão em Ibirité/MG. MRS/Vale, despejo/DEMOLIÇÃO de CASAS SEM DECISÃO JUDICIAL

6 - Pingo D’água, em Betim/MG, Ocupação-Bairro em franco processo de consolidação. STJ: "Despejo, NÃO!"

7 - Despejo em Raposos/MG! PM e Anglo Gold, SEM MANDADO JUDICIAL. E APDF 828 do STF que proíbe despejos?

8 - STJ: "Não pode haver despejo em Ocupação que se consolidou." Ocupação Pingo D'água/Betim/MG. REURB-S





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

[3] Organização de Direitos Humanos – www.terradedireitos.org.br

[4] Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/populacaoem-situacao-de-rua-aumentou-durante-a-pandemia/. Acesso em 07.11.2022. 

[5] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/10/13/ao-menos-38-milnovas-pessoas-comecaram-a-viver-nas-ruas-desde-o-inicio-da-pandemiano-brasil.ghtml. Acesso em 07.11.202    

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander

 Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda para a foto: Os últimos raios de sol do dia 07/02/2020, ainda iluminavam o fim da tarde em União dos Palmares, na Zona da Mata de Alagoas, quando em marcha, cerca de 200 jovens, de bandeiras nas mãos,
cantando canções de liberdade, inauguravam o Bosque da Resistência Ana Primavesi. Lá, as mãos dos filhos e filhas da luta pela terra, plantaram mil mudas de árvores simbolizando a disposição na luta pela terra e pelos bens da natureza. Foto: Matheus Alves

O dia 30 de outubro de 2022 entrará para a história como o dia em que o povo brasileiro conseguiu eleger pela terceira vez Luiz Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil, impedindo que o país se descambasse para um novo período de ditadura, de tirania, de Fake News, de ódio, de intolerância e de superexploração da dignidade humana e de toda a biodiversidade. Com a eleição de Lula inaugura-se um novo período de esperança, de amor e de reconstrução do país. Momento propício para mostrarmos a importância da luta pela terra e por todos os direitos humanos fundamentais, sociais e ambientais.

Em um país que reproduz cotidianamente há 522 anos uma iníqua estrutura fundiária pautada no latifúndio – aprisionamento e cativeiro da terra -, a luta pela terra e na terra é imprescindível, pois enquanto perdurar a injustiça agrária não teremos justiça social, nem urbana e nem ambiental. Entretanto, a luta pela terra, para ser emancipatória, precisa ser protagonizada pelo campesinato Sem Terra e da perspectiva deles. Jamais pode ser luta para os sem-terra e nem por eles, pois, se assim for, recai no assistencialismo que, além de fomentar a cultura da dependência e de tranquilizar a consciência de quem antes acumulou e, por isso, pode repartir algumas migalhas, reduz a pessoa humana de sujeito a objeto, abafando nela a capacidade de ser sujeito, de criar, de construir, de dialogar, enfim, de lutar e de se emancipar. “O assistencialismo é uma forma de ação que rouba da pessoa humana condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade” (FREIRE, 2002, p. 66), capacidade de responder por algo, tomar decisões diante de problemas, sejam eles pequenos ou grandes, que afete a outros e/ou a si mesmo, sentindo-se comprometido com eles.

Na metodologia de trabalho e de luta da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) e de dezenas de outros movimentos sociais camponeses, os Sem Terra se tornam responsáveis e corresponsáveis uns pelos outros e por toda a luta pela distribuição de tarefas envolvendo todos os Sem Terra do Acampamento ou do Assentamento, em reuniões de Núcleos de Base e/ou em Assembleias Gerais, onde se planejam as ações que precisam ser executadas, como deve ser posta em prática e depois se avaliam todas as atuações. Quando cada Sem Terra recebe uma tarefa, uma responsabilidade, a primeira coisa que reflete positivamente é a elevação da autoestima. Segundo, a pessoa desenvolve-se como sujeito e, assim, cresce a consciência de que o êxito da luta depende da corresponsabilidade de todas/os. Esse jeito pedagógico acorda o infinito potencial da pessoa, adormecido, negado e reprimido na opressão do sistema do capital. Assim, os Sem Terra, na luta pela terra, resgatam o lema do semanário Revolutions de Paris, publicado em Paris, de julho de 1789 a fevereiro de 1794: “Os grandes só nos parecem grandes porque estamos de joelhos: levantemo-nos!” (Cf. nota n. 303, MARX; ENGELS, 2007, p. 565)).

A luta pela terra emancipa as camponesas e os camponeses de quê? E a luta pela moradia e por todos os outros direitos humanos fundamentais emancipa de quê? Do medo, da servidão consentida, da desesperança, da passividade, da alienação, do individualismo etc. A luta pela terra e por todos os direitos sociais enquanto pedagogia de emancipação humana é uma luta por liberdade, luta libertária, mas não liberdade como um estado de espírito, mas um processo permanente que implica luta e conquista de direitos sociais, muito mais do que direitos individuais. Não é a liberdade de um capitalista que pensa, por ser livre, poder açoitar um trabalhador negro escravizado, conforme denuncia Marx e Engels: “Um ianque vem à Inglaterra, é impedido pelo juiz de paz de açoitar seu escravo, e grita indignado: “A isto você chama de país livre, onde um homem não pode surrar seu próprio negro?” (MARX; ENGELS, 2007, p. 2006).

A maior parte dos sem-terra e dos sem-teto não se engaja na luta pela terra e por moradia adequada por medo. Medo da repressão da polícia e/ou dos jagunços dos fazendeiros, medo de a luta não ter êxito. Mas, na luta pela terra e por moradia, pouco a pouco vai se desconstruindo a ideologia dominante que inculca nos oprimidos que eles não têm poder. Na luta coletiva por direitos desperta-se a força interior de cada camponês/a ou sem-teto que se torna militante. Esvai-se o medo e a coragem vai sendo cultivada. A luta por direitos gera esperança.

Há várias maneiras de analisar se a luta pela terra, tal como protagonizada pelo MST, nos últimos 38 anos, e pela CPT, nos últimos 47 anos, pode ser compreendida como emancipatória ou não. E, se sim, em que termos? Uma maneira é olhar de forma panorâmica o longo período de história de luta pela terra. Nessa perspectiva, a perseverança da CPT e do MST com milhares de Sem Terra que, de cabeça erguida, não abriram mão da luta, é sinal de algo emancipatório. Outra maneira de olhar a luta pela terra é compreender que as transformações substanciais e profundas são processuais e exigem o cuidado permanente com pequenos detalhes, com o cotidiano e o miúdo da convivência humana e da luta. Isso passa pela integridade pessoal e pelo cultivo de virtudes e valores tais como a humildade e a retidão de caráter. Outra maneira é analisar o início, todo o processo de luta e algum final, em uma visão globalizante. Por essa perspectiva, dá para dizer que a sociedade brasileira não seria a mesma e, certamente, seria muito pior se não tivesse surgido e se não estivessem atuando no Brasil a CPT e o MST ocupando latifúndios que não cumprem sua função social, criando consciência emancipatória e desmascarando injustiças tremendas produzidas pelas relações sociais de superexploração do capital. Quando a CPT e o MST estiverem celebrando cinquenta ou cem anos de luta pela terra, poderemos, provavelmente, ver com mais nitidez o processo emancipatório da luta pela terra. Nessa proposta de análise plural e mesclada em várias perspectivas, estamos em sintonia com o que pondera o historiador Christopher Hill ao analisar as ações e as ideias subversivas dos grupos radicais de trabalhadores que protagonizaram a Revolução Inglesa de 1640: “Há duas maneiras de vermos uma revolução. Podemos contemplar os gestos que simbolizam e concentram longos períodos de luta. [...] Mas também existem mudanças mais demoradas, mais lentas, mais profundas nos processos mentais, sem as quais os gestos heroicos ficariam totalmente desprovidos de sentido. Estas mudanças nos escapam, se nos perdemos no detalhe; somente podemos apreciar a dimensão das mudanças se nos dispomos a examinar o começo e o fim da Revolução – se é que palavras tão vagas podem se aplicar a um processo que sempre começa e nunca termina. De uma perspectiva mais distanciada podemos medir as colossais transformações que precipitaram a Inglaterra no mundo moderno. E talvez possamos manifestar certa gratidão a todos esses radicais anônimos que anteviram e tentaram implantar não o nosso mundo contemporâneo, porém algo muito mais nobre, algo que ainda não se realizou: o mundo de ponta-cabeça” (HILL, 1987, p. 365-366).

Enfim, a história não para e é preciso se fazer erguer um imenso mutirão de reconstrução do nosso querido Brasil, assolado pela fome, pela miséria, pela injustiça agrária, social e ambiental. Levantemo-nos! À luta por direitos, já!

Referência

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

1º/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

2 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

3 - “A gente só quer um pedacinho de terra”: 120 famílias da Ocupação Vila Maria, em BH, MG - Vídeo 3

4 - (2a parte) Culto Ecumênico na Ocupação Dom Tomás Balduíno/Betim/MG. "A terra é de Deus para todos."

5 - Ocupação do MST/Campo do Meio/MG: despejo, NÃO! ALMG/Dr. Afonso Henrique/Vídeo 2. 22/11/18

6 - Ocupação Prof. Edson Prieto, do MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias/casas de alvenaria. 20/11/2012

7 - Cativeiro da Terra no Brasil. A luta pela superação do Racismo, com Frei Gilvander Moreira

8 - Dom Tomás Balduíno, da CPT, no Cenários, da TVC/BH: Romarias da terra e Luta pela Reforma Agrária


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

   

terça-feira, 18 de outubro de 2022

Epidemia de cegueira e 2º turno das eleições. Por Frei Gilvander

 Epidemia de cegueira e 2º turno das eleições. Por Frei Gilvander Moreira[1]

No Brasil, estamos afundados em um contexto de mais de 33 milhões de pessoas, irmãos e irmãs nossos, passando fome, de desmatamento desenfreado da Amazônia e dos outros biomas, de avalanche de mentiras (fake news) sendo disseminadas em dose cavalar e parte do povo cegado sendo induzido a entrar no desfiladeiro do matadouro. Neste contexto dramático, após o 1º turno das eleições de 2022, que elegeu para o Congresso Nacional um número maior de pessoas comprometidas com a reprodução do sistema capitalista e com o aumento da desigualdade social – injustiça social, econômica e política -, se torna mais fácil entendermos porque os profetas e as profetisas da Bíblia repudiam com veemência a idolatria, o invocar em vão o nome de Deus, condenam os falsos pastores, os profetas mentirosos atrelados aos palácios e os sacerdotes vassalos de reis opressores e os alertas dos verdadeiros profetas de que o povo está sofrendo por ignorância e por falta de conhecimento. Certo dia, ao ser perguntado “Por que não se tornava um cristão?”, Mahatma Gandhi respondeu: “Admiro muito Jesus Cristo, mas muitos cristãos são na prática negação do que Jesus ensinou e testemunhou”.

No livro Ensaio sobre a cegueira, de 1995, José Saramago, em trezentas páginas, convida-nos a experimentar durante a leitura, sob intenso sofrimento e angústia, que não somos bons e que dói muito reconhecer que não somos bons e que estamos sobrevivendo como cegos. “Estou cego, estou cego, repetia com desespero enquanto o ajudavam a sair do carro, e as lágrimas, rompendo, tornaram mais brilhantes os olhos que ele dizia estarem mortos”. Um motorista parado no semáforo, subitamente descobre que está cego. Assim Saramago inicia o romance da história de uma epidemia de cegueira que atingiu todas as pessoas em uma cidade. A convivência social se tornou um caos, com pessoas isoladas e abandonadas à própria sorte. Na cidade em caos, destruição humana campeia. Todos cegos – cegados, melhor dizendo – se batem pela sobrevivência imediata. No desespero, os traços de humanidade são aniquilados.

No Brasil, as ideias da classe dominante, que formam a ideologia dominante, estão cegando muita gente e encabrestando-as. Com Paulo Freire constatamos que muita gente oprimida e explorada está sendo hospedeira de opressores e exploradores. Triste ver pobre pensando com cabeça de opressor! As primeiras comunidades cristãs do Evangelho de João já alertavam que a mentira oprime e mata, e a verdade liberta. O milagre que Jesus mais gostava de realizar era curar cegueira, ou seja, restituir a capacidade de ver com visão crítica e criativa.

A história da humanidade mostra que muitas vezes o povo cegado, em atitude suicida, elegeu seus próprios algozes. Isto aconteceu quando o povo manipulado por quem usava em vão o nome de Deus, arvorando-se como defensores de “Deus, Pátria, Família e Propriedade”, elegeu Benito Mussolini, Adolfo Hitler e o general Franco, que se tornaram nazifascistas sanguinários. A história demonstra também que um gato fictício pode levar os ratos a caírem na ratoeira. Discursos histéricos de hipócritas pastoras, falsos pastores, padres medíocres descompromissados ou líderes religiosos adoradores de dinheiro, estão seduzindo pessoas ingênuas que aceitam falsas interpretações bíblicas e assimilam posturas moralistas e fundamentalistas que, na prática, sustentam políticas de discriminação, de violência e morte.

No 2º turno das eleições agora (2022), justo e ético é votar em quem tirou o Brasil do mapa da fome – Lula - e tem compromisso em novamente implementar políticas públicas que retirem da fome mais de 33 milhões de pessoas. Façam suas análises, comparem o perfil dos candidatos, analisem suas histórias e trajetória de vida. Os candidatos que se apresentam nesse 2º turno tem perfis bem diferenciados. Diante dos desafios urgentes que o Brasil apresenta, responda: É justo ter 33 milhões de pessoas passando fome e alardear que somos um dos maiores produtores de grãos no mundo? É ético e justo manter um orçamento secreto, se um dos pilares da administração pública é a transparência? Que Políticas Públicas estão em vigor para proteger nossas matas, as nascentes, as veredas, o pantanal, a diversidade dos biomas e a riqueza da Amazônia? O sangue de tantos mártires, irmãos e irmãs indígenas, ambientalistas, defensores da mãe natureza não pode ter sido em vão.

Não é ético e nem justo votar em quem impôs fome para mais de 33 milhões de pessoas, o inominável que só queria dar uma migalha de R$200,00 como auxílio emergencial durante a pandemia da covid-19 e que foi forçado a dar R$600,00 por parlamentares do Congresso Nacional com alguma sensibilidade social. Não dá para acreditar em quem impôs preço caríssimo da gasolina, do gás e do diesel durante 3,5 anos e só agora em três meses de campanha eleitoral baixou um pouco o preço dos combustíveis e ofereceu R$600,00 com data marcada para terminar em 31 de dezembro de 2022. Isto foi isca para pescar votos das pessoas que estão sendo violentadas na sua dignidade e que muitas vezes ficam gratas por alguma ajuda paliativa que recebem.

Em contexto de brutal devastação ambiental causada pelo agronegócio com monoculturas e uso indiscriminado de agrotóxico que tem levado à desertificação de muitos territórios, impondo mudanças climáticas, com eventos extremos cada vez mais assombrosos e devastadores, colocando em risco seríssimo de dizimação da humanidade, porque sem condições ambientais sustentáveis a vida humana não será mais possível, não é justo e nem ético reeleger um presidente que em quatro anos de mandato incentivou o desmatamento da Amazônia e de outros biomas, que desmantelou os setores de fiscalização ambiental do Governo Federal porque é indiferente às questões ambientais. Qual dos candidatos defende e valoriza a mata em pé, defende a biodiversidade, a preservação da demarcação dos territórios indígenas e propõe a implementação de ações que garantem o uso sustentável dos bens naturais? O inominável mente de forma contumaz, conforme atestou, por exemplo, o Observatório do Clima logo após o debate de 16/10/22 entre Lula e o inominável: “Jair Bolsonaro MENTE sobre desmatamento no governo Lula. O PT pegou o desmatamento em 25 mil km2 e reduziu a 4.500 km2. Bolsonaro pegou com 7.500 km2 e levou a 13.000 km2.” Eleger Lula é votar a favor da preservação da Amazônia e dos biomas.

Da perspectiva cristã, é imoral reeleger um presidente que diz que “só sabe matar”, que tem como ídolo o torturador Ustra, que assinou mais de 30 decretos flexibilizando o acesso a armas e munições no país, que diz que “quer todo mundo armado”. Isso é absolutamente contraditório com o Evangelho de Jesus Cristo que apregoa “amai-vos uns aos outros” e jamais, ‘armai-vos”, que pede de todos/as nós relações humanas e sociais de justiça, de ética, de amor, de partilha e de solidariedade. As atitudes de ódio e violentas do inominável têm estimulado pessoas a se tornarem violentas chegando a ações criminosas como matar petista que celebrava seu aniversário, ameaçar matar Lula ou promover arruaça em Aparecida do Norte durante celebrações do dia de Nossa Senhora Aparecida, profanando um santuário, desrespeitando e violentando a fé do povo católico brasileiro.

Avalie quem são seus inspiradores, quem lhes serve de referência moral? Ter como referência quem alardeia a ditadura, o falso moralismo e quem propaga a pedofilia é desumano. A economia do país precisa de novos rumos, alicerçados em princípios de justiça, com taxação das grandes fortunas, com variação do percentual de dedução do imposto de renda, onde quem ganhe mais, pague mais e vice versa. O salário mínimo não teve reajustes anuais acima da inflação nos últimos quatro anos. A vida dos mais humildes, dos preferidos e escolhidos do Mestre Jesus está um sofrimento diário. Quem visita as casas das periferias, das favelas, dos aglomerados, das ocupações, sabe a dor e a agonia que tem sido conciliar o aluguel, as contas do mês, as contas da farmácia. A fome não é mero discurso, voltou a ser uma realidade cruel, insana e desumana na vida dos/as brasileiros/as. Engana-se quem acha que apenas os discursos de “bons costumes” e de valorização da família estejam acima de tudo. Melhor candidato é aquele que se preocupa com a educação, que fala em construir novas universidades, em ampliar o número de vagas em creches, pré-escolas, educação infantil, dar condições dignas de trabalho aos professores, equipar as universidades.

O inominável se apresenta como xerife de “bons costumes” e de moralidade que ele não demonstra. Ele coloca questões de moralidade acima das questões sociais, dos clamores do povo por terra, teto, salário justo, emprego com salário justo, educação e saúde públicas de qualidade. Nada disso está no radar da sua atuação política. Quando esteve na presidência, Lula anualmente reajustou o salário-mínimo acima da inflação, o que ajudou 90% dos aposentados do Brasil que recebem apenas o salário mínimo como aposentadoria. Já, o antipresidente, em quatro anos de mandato, vem reduzindo o valor real do salário mínimo. Isto impõe fome e miséria ao povo pobre. É política de morte não aumentar o valor real do salário mínimo e atrelar os preços dos combustíveis ao dólar.

As pesquisas eleitorais demonstram que a maioria dos grandes empresários vota e defende o inominável, chegando a atitudes criminosas de ameaçar trabalhadores com demissão caso votem no Lula.  Isto é coerente com seus interesses egoístas, pois o inominável, se for reeleito, continuará colocando o Estado para aumentar a riqueza dos ricaços e aumentar a pobreza. Mas uma pessoa da classe trabalhadora votar no inominável é o cúmulo da cegueira, é votar no próprio algoz, é colocar “raposa para tomar conta do galinheiro”.

Hipocrisia e cara de pau também é continuar a alardear a fake news de que Lula, se for eleito, fechará igrejas. Como? Se Lula demonstra ao longo da sua vida que tem identidade religiosa clara, é católico que respeita a liberdade religiosa no Brasil. Tanto é que foi Lula que criou leis que regulamentam a liberdade religiosa garantida pela Constituição, tais como o Dia da Marcha Nacional com Jesus e o Dia do Evangélico. A realidade é que quem está acabando com as igrejas são os falsos pastores, falsos padres e outros líderes religiosos que adoram frequentar os palácios e receber verbas públicas.

Não será ético reeleger o inominável porque está por demais demonstrado que ele não levou a sério a pandemia da covid-19 e poderia ter evitado a morte de mais de 400 mil pessoas por covid-19. No Brasil morreu quatro vezes mais gente de pandemia do que a média mundial, porque o inominável foi negacionista, atrasou vários meses a compra de vacina, disse que era “gripezinha”, desdenhou e zombou de quem estava morrendo asfixiado pela falta de oxigênio, demitiu o ministro da saúde Luiz Henrique Mandetta, que demonstrava ter compromisso com o que os cientistas estavam propondo para enfrentar a pandemia. O inominável impôs no Ministério da Saúde um general que não entendia nem de logística e era totalmente ignorante com relação à missão de um ministro da saúde.

Antes de votar, reflita! Sua vida e da sua família melhoraram ou pioraram nos últimos quatro anos? Como estão os preços? Os aumentos têm sido contínuos? E os preços dos alimentos? Qual a diferença entre trabalhar com carteira assinada ou ter o mercado como regulador? Lula construiu 18 novas universidades e 422 Institutos Federais de educação, realizou muitas políticas sociais... Enfim, Lula não é perfeito, mas é mil vezes melhor para o povo brasileiro e para o meio ambiente, sob todos os aspectos. A escolha é entre democracia e fascismo, entre vida com dignidade e barbárie. Neste 2º turno, votar em Lula, com apoio de uma ampla Frente Democrática é optar pela vida, amor, paz e esperança. Que o Deus da vida nos inspire e nos abençoe na nossa escolha!

18/10/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.

1 – Uso abusivo da religião nas eleições - Por frei Gilvander - 1º/10/2022

2 - Modelo de sociedade escravocrata violenta sendo imposto pelo bolsonarismo? Por Pastor Ed René Kivitz

3 - Dez mudanças que ocorrerão nas igrejas caso Bolsonaro perca a reeleição para Presidente do Brasil

4 - Por que Evangélicos, Católicos e pessoas de outras religiões devem votar em Lula no 2º turno?

5 - Ato Interreligioso em BH/MG em defesa da democracia, da vida, pela paz e contra golpistas/opressores

6 - Carta da Democracia e as Eleições no Brasil, com o advogado Antonio Carlos Kakay

7 - A Democracia funciona quando existe respeito aos direitos humanos. Por frei Gilvander - 12/4/2021

8 - Vote pela democracia, pela justiça, paz e pela vida! Por frei Gilvander - 1ª Parte - 11/11/2020

9 - Luta contra mineração no 27º Grito dos Excluídos, em Itabira, MG, no Palavra Ética na TVC-BH

10 - 27º Grito dos Excluídos, de Itabira, MG, no Palavra Ética da TVC-BH: Fora, Bolsonaro! 07/09/2021

11 - Fernando Francisco de Gois, outro Cristo/Servo de Deus no meio dos excluídos, em São Félix/MT agora

12 - 5ª Romaria das Águas e da Terra da bacia d rio Doce, Conceição do Mato Dentro/MG. Com Frei Gilvander

13 - Milhares no 28º Grito dos Excluídos em BH/MG: "Fora, Bolsonaro! Lula, Lá! Resgate de direitos, já!"


14 - Olhar crítico sobre o 1º turno das eleições - Por frei Gilvander



[1] Padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG); licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo (ITESP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da Comissão Pastoral da Terra/MG (CPT), assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e das Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica (SAB), em Belo Horizonte, MG; colunista de vários sites; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Eleger um democrata ou um tirano? Por Frei Gilvander

Eleger um democrata ou um tirano? Por Frei Gilvander Moreira[1]

A história da humanidade demonstra que vem de longe o uso em vão do nome de Deus e o abuso da dimensão de fé das pessoas por políticos dominadores e opressores dos povos. No seu sentido original, todas as religiões buscam humanizar as pessoas religando-as com o mistério de amor e respeito que as envolve. Invocando Deus, com diferentes nomes, as religiões procuram nos religar com o Ser Supremo, com o/a próximo/a, com todos os seres vivos e com nosso eu mais profundo. Entretanto, ao longo da história, as religiões se tornaram instituições com doutrinas, dogmas e seus “sacerdotes”, funcionários que muitas vezes as degeneram usando-as para galgar poder econômico, político e posições privilegiadas de status na sociedade.

Quem tem poder religioso pode oprimir e explorar muito mais do que quem tem poder econômico, pois pode controlar consciências, comportamentos, atitudes e o mais profundo das pessoas de fé. Na Bíblia, no livro de Juízes, nos capítulos 19 a 21, e na profecia de Oseias, sacerdotes (chefes religiosos) promovem guerra fratricida estimulando a violência entre irmãos e irmãs usando em vão o nome de Deus. A idolatria religiosa oprime e explora a dignidade humana.

A Bíblia atesta repúdio veemente dos profetas e das profetisas à idolatria, que é adorar e servir a outros deuses, ídolos “construídos por mãos humanas” que exigem sacrifícios das pessoas ludibriadas em rituais religiosos que viabilizam projetos de acumulação de ofertas, dízimo etc., o que resulta em “sacos de dinheiro” para falsos sacerdotes e pastores mercenários. Imbuídos/as de ira santa, os profetas e as profetisas bíblicas bradam: “Os ídolos deles são prata e ouro, obras de mãos humanas” (Cf. Sl 115,4; Lv 19,4; Dt 4,28; Is 40,19-20; Os 8,6; Hab 2,18-20; At 19,26; Ap 9,20 e muitas outras passagens bíblicas).

A mais letal de todas as idolatrias é tentar domesticar o Deus da vida, mistério de infinito amor, e usá-lo para tentar criar um verniz de bondade e humanidade por opressores travestidos de bons samaritanos. Diante destes, possuído por uma ira santa e profética, Jesus Cristo “chutou o pau da barraca” e expulsou os mercadores do templo (Mt 21,12-13; Mc 11,15-19; Lc 19,45-49; Jo 2,13-25 ).

Ao longo da história, ditadores e tiranos sempre usaram e abusaram da dimensão de fé das pessoas e invocaram o nome de Deus em vão. Os imperadores do sanguinário, opressor e repressor Império Romano se consideravam deuses e exigiam o culto ao imperador. Na época em que foi escrito o livro do Apocalipse, nos anos 54 a 110, os imperadores Nero e Domiciano impuseram brutal tribulação às primeiras comunidades cristãs e ao povo escravizado. Esfolaram brutalmente o povo com pesadíssima carga tributária, perseguição e repressão. Muitos líderes das comunidades foram presos, torturados e mortos. Ao escrever o livro do Apocalipse, seu autor teve que usar nome falso, João, para não ser torturado e morto. Muitas pessoas foram martirizadas, como os apóstolos Tiago e Paulo. Também foi martirizado Antipas, “fiel seguidor de Jesus Cristo”, membro da Comunidade cristã de Pérgamo (Ap 2,13).

Na invasão da África e das Américas por europeus que exerciam poder opressor também a cruz, símbolo do cristianismo, foi levada à frente da espada que vinha escondida na mão atrás do corpo do projeto colonizador. Em nome de uma fé idólatra, negros e indígenas foram criminalizados e demonizados como se não fossem humanos. Esta violência religiosa pavimentou o caminho para o massacre e o genocídio de povos negros e indígenas e a brutal escravidão imposta no Brasil há mais de 350 anos.

Com o slogan “Deus, Pátria e Família”, o fascismo se espalhou na Europa com Benito Mussolini na Itália, Adolfo Hitler na Alemanha e com o general Franco na Espanha, sendo estes eleitos pelo povo seduzido e cegado por líderes religiosos e até pelo papa Pio XI, que se arrependeu amargamente ao descobrir as atrocidades dos fascistas. O papa Pio XI percebeu tarde que tinha chocado ovo de serpente. Com os nazifascistas europeus no poder, milhões de pessoas foram assassinadas – mais de 6  milhões de judeus, ciganos, camponeses, homossexuais etc., - em nome de “raça pura”, pensamento único, uniformização cultural da sociedade a partir dos que estão no poder tiranizando a maioria do povo e tecendo relações sociais escravocratas.

Imposta ao povo brasileiro em 31 de março de 1964 a ditadura militar-civil-empresarial também usou e abusou da dimensão de fé do povo. Usando os símbolos nacionais, bandeira do Brasil, o verde amarelismo e o patriotismo xenófobo, houve marchas “religiosas” idolátricas em defesa da “Família, Deus e Propriedade” em apoio à ditadura militar que se implantava e que mentirosamente alegava ser um regime que livraria o Brasil do comunismo, cortina de fumaça para um projeto de dominação política e econômica que abriu as portas do Brasil para as empresas transnacionais com desnacionalização da nossa economia.

Na prática, os generais ditadores impuseram o terror com o AI-5[2] fechando o Congresso Nacional, mudando a Constituição, cassando deputados e senadores, exilando muitas lideranças – “cérebro do povo brasileiro” -, impondo tortura e morte, aprofundando a brutal desigualdade social existente. Sob a baioneta dos generais tiranos, a Reforma Agrária foi bloqueada com perseguição brutal às mais de 1200 Ligas Camponesas existentes e a latifundiarização do país foi incrementada. Os generais ditadores determinaram que empresários que comprassem terras na Amazônia ou no Centro-oeste teriam isenção de 50% de impostos.

Criado e difundido por Paulo Freire, o Movimento de Educação de Base (MEB) foi extinto, porque interessava à ditadura manter altíssimas taxas de analfabetismo no meio do povo. Obras faraônicas, como a rodovia Transamazônica, foram feitas para abrir caminho para a invasão da Amazônia e o endividamento do Brasil perante os Estados Unidos e empresas transnacionais. A ditadura impediu a realização de Reformas Sociais de base necessárias para construirmos Justiça Agrária, Social e Urbana. 

Agora, nas eleições de 2022, novamente está acontecendo o uso e o abuso escancarado do nome de Deus e de versículos bíblicos para tentar justificar um projeto de poder ditatorial e a implantação de mais uma ditadura no Brasil. Isso é brutal idolatria. Será atitude suicida autorizar pelo voto o início de mais uma ditadura no Brasil que, sob a tirania de uma pessoa desumana, será sanguinária e precipitará o fim da humanidade. Além de milhares de humanos mortos, será a devastação completa da biodiversidade e da Amazônia, o que secará os rios aéreos causando a desertificação das regiões Centro-oeste, Sudeste e Sul do Brasil.

O inominável antipresidente, em conluio com falsos pastores e padres mercenários, segue abusando da dimensão religiosa das pessoas, seduzindo e cegando muita gente. Há tantos sinais que demonstram que Bolsonaro não é cristão e nem defensor da família. Como pode ser aceito como defensor da família alguém com a história familiar que tem, que já agrediu e ofendeu tantas mulheres, que tem ligações com milicianos, com inúmeros casos de “rachadinhas” envolvendo funcionários fantasmas, que tem como ídolo o torturador Ustra, que assinou 34 decretos flexibilizando o acesso a armas que só aumentam a violência, que atrasou em seis meses a compra de vacinas, desdenhou da dor de quem estava asfixiado pela Covid-19 e, assim, condenou à morte quase 700 mil pessoas? Como pode alguém ser aceito como paladino da moralidade com mais de 17 casos de corrupção constatados[3] e que coloca muita coisa suspeita sob sigilo de 100 anos? Como pode ser considerado digno e competente para ser reeleito presidente do Brasil alguém que desgovernou o Brasil nos últimos 4 anos impondo fome atroz a mais de 33 milhões de pessoas, proibindo fiscais do Governo Federal de fiscalizar o desmatamento da Amazônia, em conluio com garimpeiros e invasores de terras dos povos indígenas, não demarcando nem um centímetro de terra dos indígenas, fustigando e ameaçando o Supremo Tribunal Federal para não julgar e demonstrar a inconstitucionalidade da esdrúxula tese do Marco Temporal?

Lula não é perfeito, mas é mil vezes melhor que o inominável antipresidente. Em 8 anos como presidente do Brasil, ele demonstrou que tem compromisso com a democracia, com políticas públicas que garantem a dignidade e o desenvolvimento do povo. Compromete-se, agora, com o aumento anual e real do salário mínimo, com a continuidade do Bolsa Família/Auxílio Brasil de R$600,00, com o resgate de políticas públicas que atendam às reivindicações justas e legítimas dos Povos Indígenas, Quilombolas e de todos os outros Povos e Comunidades Tradicionais. Compromete-se com políticas que asseguram o combate ao racismo, à homofobia e ao feminicídio; com investimento pesado no SUS[4] e na educação pública, da creche ao pós-universidade; com a fiscalização e coibição do desmatamento ilegal, com o apoio à agricultura famíliar na linha da agroecologia; com a política externa cidadã que garanta a responsabilidade que o Brasil tem no contexto internacional.

Enfim, aprendamos com a história do fascismo que nos diz que muitos ditadores e tiranos foram eleitos usando e abusando do nome de Deus e acenando de forma hipócrita para as pessoas religiosas. Fascismo é ovo de serpente e não deve ser chocado. Para o bem do povo, do meio ambiente e das próximas gerações, justo e ético é votar no 2º turno dia 30 de outubro próximo (2022), em LULA para PRESIDENTE DO BRASIL, n. 13.

11/10/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado acima.

1 – Uso abusivo da religião nas eleições - Por frei Gilvander - 1º/10/2022

2 - Modelo de sociedade escravocrata violenta sendo imposto pelo bolsonarismo? Por Pastor Ed René Kivitz

3 - Dez mudanças que ocorrerão nas igrejas caso Bolsonaro perca a reeleição para Presidente do Brasil

4 - Por que Evangélicos, Católicos e pessoas de outras religiões devem votar em Lula no 2º turno?

5 - Ato Interreligioso em BH/MG em defesa da democracia, da vida, pela paz e contra golpistas/opressores

6 - Carta da Democracia e as Eleições no Brasil, com o advogado Antonio Carlos Kakay

7 - A Democracia funciona quando existe respeito aos direitos humanos. Por frei Gilvander - 12/4/2021

8 - Vote pela democracia, pela justiça, paz e pela vida! Por frei Gilvander - 1ª Parte - 11/11/2020

9 - Luta contra mineração no 27º Grito dos Excluídos, em Itabira, MG, no Palavra Ética na TVC-BH

10 - 27º Grito dos Excluídos, de Itabira, MG, no Palavra Ética da TVC-BH: Fora, Bolsonaro! 07/09/2021

11 - Fernando Francisco de Gois, outro Cristo/Servo de Deus no meio dos excluídos, em São Félix/MT agora

12 - 5ª Romaria das Águas e da Terra da bacia d rio Doce, Conceição do Mato Dentro/MG. Com Frei Gilvander

13 - Milhares no 28º Grito dos Excluídos em BH/MG: "Fora, Bolsonaro! Lula, Lá! Resgate de direitos, já!"


[1] Padre da Ordem dos Carmelitas; doutor em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (FAE/UFMG); licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); bacharel em Teologia pelo Instituto Teológico São Paulo (ITESP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da Comissão Pastoral da Terra/MG (CPT), assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) e das Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no Serviço de Animação Bíblica (SAB), em Belo Horizonte, MG; colunista de vários sites; e-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Editado pelo general ditador Artur da Costa e Silva, dia 13 de dezembro de 1968, o Ato Institucional n. 5 foi um dos mais terríveis 17 Atos Institucionais decretados pelos generais da ditadura de 1964 a 1985. Impôs os “anos de chumbo”, fechou o Congresso Nacional, impôs uma nova Constituição e um regime tirânico sanguinário.

[3] 17 casos de corrupção de Bolsonaro, seu clã e governo: 1) Rachadinha é uma “prática comum”, diz Bolsonaro; 2) Funcionários fantasmas dos Bolsonaros receberam 29 milhões de reais em salários; 3) A ligação do clã Bolsonaro com paramilitares e milicianos se estreitou com a eleição de Flávio Bolsonaro; 4) Queiroz diz porque depositou 89 mil reais na conta de Michelle Bolsonaro; 5) Família Bolsonaro atuou para esconder e proteger Fabrício Queiroz; 6) Ricardo Salles é investigado por esquema de exportação ilegal de madeira; 7) “Governo Bolsonaro pediu propina de 1 dólar por dose”, diz vendedor de vacina; 8) Ex-ministro Milton Ribeiro foi preso em Operação da Polícia Federal por crimes na condução do Ministério da Educação; 9) Procuradoria no TCU vê indício de crime em compras de trator com verba para família pobre; 10) Diretor geral da Polícia Federal troca comando de setor que investiga Bolsonaro; 11) Chefe da SECOM recebe dinheiro de emissoras e agências contratadas pelo governo Bolsonaro; 12) Licitação do Governo prevê pagar R$732 milhões a mais por ônibus escolares; 13) Dinheiro público banca centenas de caminhões de lixo com preços inflados; 14) Bolsonaro tenta “lavar as mãos” sobre Orçamento Secreto, mas histórico mostra atuação conjunta do governo com o Congresso; 15) Vacina, cartão, viagens, caso Genivaldo: Lista de sigilos do governo cresce; 16) Flávio Bolsonaro compra mansão de R$ 5,97 milhões em bairro nobre de Brasília; 17) Metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo (51 imóveis).

[4] Sistema Único de Saúde.