terça-feira, 8 de novembro de 2022

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander

STF proíbe despejo sem alternativa adequada e prévia. Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda: Jornada Nacional de Luta pela Moradia. Fonte: Campanha Despejo Zero

Dia 31 de outubro último (2022) venceu o prazo da ADPF 828 (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição), do Supremo Tribunal Federal (STF), que proibia despejos no país no campo e na cidade, em ocupações coletivas e em casos de inquilinos individuais durante a pandemia. Os partidos PSOL e PT, RENAP[2] e Terra de Direitos[3], e dezenas de outras Organizações de Direitos Humanos pleitearam pela 4ª vez “a extensão do prazo da medida liminar concedida até que advenha o julgamento de mérito da ADPF 828, ou por mais 6 (seis) meses ou até que cessem os efeitos sociais e econômicos da Pandemia da covid-19 e, deste modo, continuem sendo e/ou sejam suspensos todos os processos, procedimentos ou qualquer outro meio que vise a expedição de medidas judiciais, administrativas ou extrajudiciais de remoção e/ou desocupação, reintegrações de posse ou despejos de famílias vulneráveis, enquanto perdurarem os efeitos sanitários, sociais e econômicos da Covid-19.” O ministro do STF Luis Roberto Barroso não estendeu o prazo da ADPF 828. Entretanto, o ministro Barroso determinou um Regime de Transição para que, “de forma gradual e escalonada”, “para não geral convulsão social”, se retome o cumprimento de reintegrações de posse, mas com a condição de que seja garantido alternativa digna, adequada e prévia para todas as famílias das ocupações para que o direito à moradia seja garantido, conforme prescreve a Constituição Federal.

A brutal injustiça agrária no Brasil, que concentra 50% da terra nas mãos de apenas 2% de pessoas ou empresas, tem impulsionado um imenso êxodo rural nos últimos cinquenta anos e gerado uma dramática injustiça urbana, que leva à existência atual de um altíssimo déficit habitacional no país, com mais de 6 milhões de famílias sem moradia no Brasil e sendo que mais da metade da população de 215 milhões de pessoas vive em condições inadequadas de moradia, e 52%, segundo dados de 2019, pagam aluguel acima de 30% de sua renda. Nos últimos quatro anos, com o empobrecimento das famílias, durante o desgoverno do inominável, aumentou-se o número e a quantidade de favelas nas cidades médias e grandes do Brasil. Pesquisa realizada pela Prefeitura do Rio de Janeiro em 2021 revelou que 31% das pessoas estão na rua há menos de um ano, sendo 64% por perda de trabalho, moradia ou renda. Destes, 42,8% afirmaram que, se tivessem um emprego, sairiam das ruas[4]. Pesquisa do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG) revelou que, em 2019, eram 174.766 pessoas em situação de rua no país, enquanto, em setembro de 2022, o número saltou para 213.371[5]. A Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (PENSSAN), registra o avanço da fome: são 15,5% de domicílios com pessoas passando fome, o que corresponde a 33,1 milhões de pessoas.

Estão em ocupações famílias inteiras, pessoas desempregadas que, para não irem para as ruas, ocuparam terrenos e prédios abandonados, que não cumpriam sua função social. Cerca de 75% de quase um milhão de pessoas ameaçadas de despejo são mulheres, crianças e idosos; são pessoas que não suportam mais a pesadíssima cruz do aluguel ou a humilhação que é sobreviver de favor nas costas de parentes ou ainda sobreviver nas ruas.

Foi imprescindível e vital a decisão do STF de suspender os despejos durante a pandemia da covid-19. O STF acolheu reivindicação da Plataforma Despejo Zero, Campanha Nacional por Despejo Zero, integrada por 175 Movimentos Sociais Populares e Organizações de defesa dos Direitos Humanos. Se a orientação da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da comunidade científica era ficar em casa para evitar pegar covid-19, teria sido um massacre brutal empurrar para as ruas cerca de 500 mil famílias, cerca de 2 milhões de pessoas, que estão em ocupações no campo e na cidade no país. Atualmente, segundo levantamento da Plataforma Despejo Zero, se tivesse simplesmente terminado a ADPF 828, a que proibiu os despejos até 31/10/2022, cerca de 200 mil famílias, ou seja, quase 1 milhão de pessoas, seriam despejadas imediatamente e jogadas na rua.

Entretanto, após adiar por três vezes a proibição de despejos durante a pandemia, exceto os ministros bolsonaristas Nunes Marques e André Mendonça, nove ministros do STF, dia 02/11/22, confirmaram a decisão do ministro Luis Barroso que determinou um Regime de Transição para os tribunais lidarem com as Ocupações coletivas que estão sob decisões judiciais de reintegração de posse. Segundo o Regime de Transição determinado pelo STF, os tribunais estaduais e regionais federais devem criar imediatamente Comissões de Conflitos Fundiários para mediar os conflitos que envolvem todas as famílias em ocupações que estão sob decisão judicial que manda despejar quem está em ocupações. “As Comissões devem ser permanentes e ter a presença permanente de órgãos públicos municipais, estaduais e federais de habitação, regularização fundiária, assistência social, saúde e de proteção de direitos de vulneráveis (ex.: conselho tutelar), além da Defensoria Pública e do Ministério Público. E devem ter como referência o modelo bem-sucedido adotado pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná”, definiu o STF. Diz a decisão do STF: “As Comissões de Conflitos Fundiários devem fazer visitas técnicas, audiências de mediação e, principalmente, propor a estratégia de retomada da execução de decisões suspensas pela presente ação, de maneira gradual e escalonada”.

As Comissões têm o “objetivo de mediar conflitos fundiários de natureza coletiva, rurais ou urbanos, de modo a evitar o uso da força pública no cumprimento de mandados de reintegração de posse ou de despejo e (r)estabelecer o diálogo entre as partes”. Frise-se que a decisão do STF exclui o uso da força pública (de polícia) na execução do despejo. Ou seja, as Comissões de Conflitos fundiários dos Tribunais devem ser exitosas na construção de justa mediação de forma que garanta o direito à moradia. Logo, as Comissões não poderão ser “só proforma” e encaminhar despejo após sua atuação. “As Comissões poderão atuar em qualquer fase do litígio, inclusive antes da instauração do processo judicial ou após o seu trânsito em julgado”, diz a decisão do STF. As Comissões deverão ainda “atuar na interlocução com o juízo no qual tramita a ação judicial, interagir com as Comissões de Conflitos Fundiários instituídas no âmbito de outros poderes e órgãos, como o Governo do Estado, a Assembleia Legislativa, o Ministério Público, a Defensoria Pública etc.” “Nos casos judicializados, as Comissões funcionarão como órgão auxiliar do juiz da causa.” A decisão do STF enfatiza ainda: “Os juízes devem ponderar os impactos sociais da execução das reintegrações de posse e atuar, nos limites da sua jurisdição, a fim de evitar ao máximo a violação de direitos fundamentais.

Na decisão do STF o ministro Luis Barroso enfatiza: “Volto a registrar que a retomada das reintegrações de posse deve se dar de forma responsável, cautelosa e com respeito aos direitos fundamentais em jogo”, ou seja, apenas quando se comprovar realmente que é justa a decisão de reintegração de posse e após se arrumar alternativa digna, prévia e adequada de moradia, se faculta a realização de despejo. Despejo forçado, jamais, pois violenta os direitos fundamentais da pessoa humana assegurados na Constituição de 1988.

Das alternativas dignas e prévias que abram espaço para despejo precisam estar excluídos como suficientes o cadastramento pelo poder público municipal e inclusão em fila de espera da moradia, o envio para abrigos públicos, por serem insalubres, inadequados e com rígidas restrições à liberdade das pessoas, e o pagamento de auxílio aluguel, (auxílio moradia), por ser migalha super contraditória: a) o valor é insuficiente, só uns 30% do que se precisa para alugar moradia digna; b) Em muitos casos, as prefeituras param de pagar após alguns meses; c) Hiperinflaciona os aluguéis na cidade; 4) Desresponsabiliza o prefeito, o governador e o presidente sobre a necessidade de implementar política pública de moradia efetiva para todo o povo, o que joga novamente as pessoas nas ruas ou as forçam a fazer outras ocupações.

O STF determinou respeito à dignidade humana e que em casos de decisões administrativas que exijam despejo de pessoas vulneráveis “não pode haver a separação das pessoas do núcleo familiar” em caso de oferecimento de abrigamento público ou outras moradias dignas. O justo e constitucional é proibir definitivamente despejo de ocupações onde se comprove que a propriedade estava ociosa, abandonada e sem cumprir a função social, pois as ocupações coletivas por necessidade são uma forma de pressão constitucional assegurada por decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em jurisprudência da lavra do ex-ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, para que se cumpra o direito à terra e à moradia, assegurado na Constituição. Contudo, a decisão do STF é um passo importante, uma opção ética e responsável para lidar com a injustiça agrária e urbana que causa as ocupações e de como resolvê-las de forma justa, ética e pacífica. É imprescindível que o juízo de um conflito fundiário urbano ou rural verifique pontos como a existência de título válido por quem demanda a desocupação e o cumprimento da função social do imóvel por seu titular.

Em Minas Gerais, a decisão do STF, acima referida, na prática, exige o fortalecimento e a ampliação da autonomia da Mesa de Negociação do Governo de MG com as Ocupações e do CEJUSC (Central de Conciliação do TJMG) que deverão lidar de forma responsável socialmente com todos os conflitos urbanos e camponeses. Esperamos sensatez, espírito ético e republicano dos tribunais no cumprimento da decisão do STF. Por isso, todos nós dos Movimentos Sociais e todo o povo das Ocupações seguiremos lutando. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito e o direito à moradia precisa ser garantido. Todo despejo é desumano e brutal, pois destrói moradias, histórias, sonhos e mata de muitas formas as pessoas. Viva a luta por acesso à terra e à moradia!

O STF determina que sejam seguidas as Resoluções n.º 10/2018 e n.17/2021 do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) e a Resolução nº 90/2021 do Conselho Nacional de Justiça, que “recomenda aos órgãos do Poder Judiciário a adoção de cautelas quando da solução de conflitos que versem sobre a desocupação coletiva de imóveis urbanos e rurais durante o período da pandemia do Coronavírus (Covid-19).” Portanto, seguiremos lutando para que o Congresso Nacional aprove lei no sentido de adequar a política fundiária e habitacional do país que garantam justiça agrária e urbana. É injustiça voltar a despejar desconsiderando a análise da função social da propriedade e sem alternativa adequada e prévia. Uma leitura atenta da decisão do STF conclui que fica proibido despejo sem alternativa adequada e prévia.

08/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Levantemo-nos! À luta por direitos, já! - Por frei Gilvander - 05/11/2022

2 - 220 Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG, preservam APP e se liberta da cruz do aluguel

3 - Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

4 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

5 - Segue Sexta-feira da Paixão em Ibirité/MG. MRS/Vale, despejo/DEMOLIÇÃO de CASAS SEM DECISÃO JUDICIAL

6 - Pingo D’água, em Betim/MG, Ocupação-Bairro em franco processo de consolidação. STJ: "Despejo, NÃO!"

7 - Despejo em Raposos/MG! PM e Anglo Gold, SEM MANDADO JUDICIAL. E APDF 828 do STF que proíbe despejos?

8 - STJ: "Não pode haver despejo em Ocupação que se consolidou." Ocupação Pingo D'água/Betim/MG. REURB-S





[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

[3] Organização de Direitos Humanos – www.terradedireitos.org.br

[4] Disponível em: https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/populacaoem-situacao-de-rua-aumentou-durante-a-pandemia/. Acesso em 07.11.2022. 

[5] Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/2022/10/13/ao-menos-38-milnovas-pessoas-comecaram-a-viver-nas-ruas-desde-o-inicio-da-pandemiano-brasil.ghtml. Acesso em 07.11.202    

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander

 Levantemo-nos! À luta por direitos, já! Por Frei Gilvander Moreira[1]

Legenda para a foto: Os últimos raios de sol do dia 07/02/2020, ainda iluminavam o fim da tarde em União dos Palmares, na Zona da Mata de Alagoas, quando em marcha, cerca de 200 jovens, de bandeiras nas mãos,
cantando canções de liberdade, inauguravam o Bosque da Resistência Ana Primavesi. Lá, as mãos dos filhos e filhas da luta pela terra, plantaram mil mudas de árvores simbolizando a disposição na luta pela terra e pelos bens da natureza. Foto: Matheus Alves

O dia 30 de outubro de 2022 entrará para a história como o dia em que o povo brasileiro conseguiu eleger pela terceira vez Luiz Inácio Lula da Silva para presidente do Brasil, impedindo que o país se descambasse para um novo período de ditadura, de tirania, de Fake News, de ódio, de intolerância e de superexploração da dignidade humana e de toda a biodiversidade. Com a eleição de Lula inaugura-se um novo período de esperança, de amor e de reconstrução do país. Momento propício para mostrarmos a importância da luta pela terra e por todos os direitos humanos fundamentais, sociais e ambientais.

Em um país que reproduz cotidianamente há 522 anos uma iníqua estrutura fundiária pautada no latifúndio – aprisionamento e cativeiro da terra -, a luta pela terra e na terra é imprescindível, pois enquanto perdurar a injustiça agrária não teremos justiça social, nem urbana e nem ambiental. Entretanto, a luta pela terra, para ser emancipatória, precisa ser protagonizada pelo campesinato Sem Terra e da perspectiva deles. Jamais pode ser luta para os sem-terra e nem por eles, pois, se assim for, recai no assistencialismo que, além de fomentar a cultura da dependência e de tranquilizar a consciência de quem antes acumulou e, por isso, pode repartir algumas migalhas, reduz a pessoa humana de sujeito a objeto, abafando nela a capacidade de ser sujeito, de criar, de construir, de dialogar, enfim, de lutar e de se emancipar. “O assistencialismo é uma forma de ação que rouba da pessoa humana condições à consecução de uma das necessidades fundamentais de sua alma – a responsabilidade” (FREIRE, 2002, p. 66), capacidade de responder por algo, tomar decisões diante de problemas, sejam eles pequenos ou grandes, que afete a outros e/ou a si mesmo, sentindo-se comprometido com eles.

Na metodologia de trabalho e de luta da Comissão Pastoral da Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais (MST) e de dezenas de outros movimentos sociais camponeses, os Sem Terra se tornam responsáveis e corresponsáveis uns pelos outros e por toda a luta pela distribuição de tarefas envolvendo todos os Sem Terra do Acampamento ou do Assentamento, em reuniões de Núcleos de Base e/ou em Assembleias Gerais, onde se planejam as ações que precisam ser executadas, como deve ser posta em prática e depois se avaliam todas as atuações. Quando cada Sem Terra recebe uma tarefa, uma responsabilidade, a primeira coisa que reflete positivamente é a elevação da autoestima. Segundo, a pessoa desenvolve-se como sujeito e, assim, cresce a consciência de que o êxito da luta depende da corresponsabilidade de todas/os. Esse jeito pedagógico acorda o infinito potencial da pessoa, adormecido, negado e reprimido na opressão do sistema do capital. Assim, os Sem Terra, na luta pela terra, resgatam o lema do semanário Revolutions de Paris, publicado em Paris, de julho de 1789 a fevereiro de 1794: “Os grandes só nos parecem grandes porque estamos de joelhos: levantemo-nos!” (Cf. nota n. 303, MARX; ENGELS, 2007, p. 565)).

A luta pela terra emancipa as camponesas e os camponeses de quê? E a luta pela moradia e por todos os outros direitos humanos fundamentais emancipa de quê? Do medo, da servidão consentida, da desesperança, da passividade, da alienação, do individualismo etc. A luta pela terra e por todos os direitos sociais enquanto pedagogia de emancipação humana é uma luta por liberdade, luta libertária, mas não liberdade como um estado de espírito, mas um processo permanente que implica luta e conquista de direitos sociais, muito mais do que direitos individuais. Não é a liberdade de um capitalista que pensa, por ser livre, poder açoitar um trabalhador negro escravizado, conforme denuncia Marx e Engels: “Um ianque vem à Inglaterra, é impedido pelo juiz de paz de açoitar seu escravo, e grita indignado: “A isto você chama de país livre, onde um homem não pode surrar seu próprio negro?” (MARX; ENGELS, 2007, p. 2006).

A maior parte dos sem-terra e dos sem-teto não se engaja na luta pela terra e por moradia adequada por medo. Medo da repressão da polícia e/ou dos jagunços dos fazendeiros, medo de a luta não ter êxito. Mas, na luta pela terra e por moradia, pouco a pouco vai se desconstruindo a ideologia dominante que inculca nos oprimidos que eles não têm poder. Na luta coletiva por direitos desperta-se a força interior de cada camponês/a ou sem-teto que se torna militante. Esvai-se o medo e a coragem vai sendo cultivada. A luta por direitos gera esperança.

Há várias maneiras de analisar se a luta pela terra, tal como protagonizada pelo MST, nos últimos 38 anos, e pela CPT, nos últimos 47 anos, pode ser compreendida como emancipatória ou não. E, se sim, em que termos? Uma maneira é olhar de forma panorâmica o longo período de história de luta pela terra. Nessa perspectiva, a perseverança da CPT e do MST com milhares de Sem Terra que, de cabeça erguida, não abriram mão da luta, é sinal de algo emancipatório. Outra maneira de olhar a luta pela terra é compreender que as transformações substanciais e profundas são processuais e exigem o cuidado permanente com pequenos detalhes, com o cotidiano e o miúdo da convivência humana e da luta. Isso passa pela integridade pessoal e pelo cultivo de virtudes e valores tais como a humildade e a retidão de caráter. Outra maneira é analisar o início, todo o processo de luta e algum final, em uma visão globalizante. Por essa perspectiva, dá para dizer que a sociedade brasileira não seria a mesma e, certamente, seria muito pior se não tivesse surgido e se não estivessem atuando no Brasil a CPT e o MST ocupando latifúndios que não cumprem sua função social, criando consciência emancipatória e desmascarando injustiças tremendas produzidas pelas relações sociais de superexploração do capital. Quando a CPT e o MST estiverem celebrando cinquenta ou cem anos de luta pela terra, poderemos, provavelmente, ver com mais nitidez o processo emancipatório da luta pela terra. Nessa proposta de análise plural e mesclada em várias perspectivas, estamos em sintonia com o que pondera o historiador Christopher Hill ao analisar as ações e as ideias subversivas dos grupos radicais de trabalhadores que protagonizaram a Revolução Inglesa de 1640: “Há duas maneiras de vermos uma revolução. Podemos contemplar os gestos que simbolizam e concentram longos períodos de luta. [...] Mas também existem mudanças mais demoradas, mais lentas, mais profundas nos processos mentais, sem as quais os gestos heroicos ficariam totalmente desprovidos de sentido. Estas mudanças nos escapam, se nos perdemos no detalhe; somente podemos apreciar a dimensão das mudanças se nos dispomos a examinar o começo e o fim da Revolução – se é que palavras tão vagas podem se aplicar a um processo que sempre começa e nunca termina. De uma perspectiva mais distanciada podemos medir as colossais transformações que precipitaram a Inglaterra no mundo moderno. E talvez possamos manifestar certa gratidão a todos esses radicais anônimos que anteviram e tentaram implantar não o nosso mundo contemporâneo, porém algo muito mais nobre, algo que ainda não se realizou: o mundo de ponta-cabeça” (HILL, 1987, p. 365-366).

Enfim, a história não para e é preciso se fazer erguer um imenso mutirão de reconstrução do nosso querido Brasil, assolado pela fome, pela miséria, pela injustiça agrária, social e ambiental. Levantemo-nos! À luta por direitos, já!

Referência

FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A Ideologia Alemã: crítica da mais recente Filosofia alemã em seus representantes Feuerbach, B. Bauer e Stirner, e do socialismo alemão em seus diferentes profetas (1845-1846). São Paulo: Boitempo Editorial, 2007.

1º/11/2022

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Preservar Área de Proteção Permanente e 220 casas: Famílias da Ocupação Terra Prometida, Ibirité/MG

2 - CPT e MLB c Ocupação Terra Prometida, em Ibirité/MG: luta por moradia p se libertar da cruz/aluguel

3 - “A gente só quer um pedacinho de terra”: 120 famílias da Ocupação Vila Maria, em BH, MG - Vídeo 3

4 - (2a parte) Culto Ecumênico na Ocupação Dom Tomás Balduíno/Betim/MG. "A terra é de Deus para todos."

5 - Ocupação do MST/Campo do Meio/MG: despejo, NÃO! ALMG/Dr. Afonso Henrique/Vídeo 2. 22/11/18

6 - Ocupação Prof. Edson Prieto, do MSTB/Uberlândia: 2,200 famílias/casas de alvenaria. 20/11/2012

7 - Cativeiro da Terra no Brasil. A luta pela superação do Racismo, com Frei Gilvander Moreira

8 - Dom Tomás Balduíno, da CPT, no Cenários, da TVC/BH: Romarias da terra e Luta pela Reforma Agrária


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III