terça-feira, 30 de maio de 2023

NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander

 NÃO AO MARCO TEMPORAL E AO PL 490! Sinal amarelo para o Governo Lula e vermelho para os Indígenas? Por frei Gilvander Moreira[1]

“Estamos em defesa de nosso território sagrado, de nossos direitos tradicionais, contra o PL 490, contra o Marco Temporal, que quer retirar nosso direito ao território!” – Kaw Gamella, do Povo Akroá-Gamella. Foto: RAMA

Recentemente foi aprovado na Câmara Federal o arcabouço fiscal, que põe cercas para as contas públicas e para os investimentos do Governo Federal. Deixaram totalmente livre a destinação de quase 50% do orçamento para amortização e pagamentos de juros da impagável dívida pública, que quanto mais corta mais cresce. Por que não limitar este montante repassado para os banqueiros? Em breve, o Governo Lula poderá “estar nas cordas” asfixiado pelos ditames do mercado idolatrado embutido no arcabouço fiscal. O Congresso Nacional mais à direita da história do Brasil já está mostrando suas garras. Maioria da Câmara Federal, de direita, do agronegócio, insiste em continuar o genocídio indígena e continuar empurrando a humanidade para seu fim, em decisões tais como a que retira competências dos Ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. Retirar do Ministério dos Povos Indígenas a prerrogativa de demarcação de terras e amordaçar os poderes do Ministério do Meio Ambiente retirando dele a Agência Nacional de Água (ANA), o gerenciamento sobre o saneamento e o Cadastro Ambiental Rural (CAR) significa empurrar o povo brasileiro e toda a biodiversidade para o sacrifício no altar do ídolo capital precipitando a ocorrência de eventos extremos que vem causando desastres e mortandade de pessoas e animais de forma cada vez mais espantosa.

Na última semana, 262 deputados da Câmara Federal, do centrão e da extrema-direita, sob o comando do deputado Arthur Lira, aprovaram “urgência” para o PL 490/2007, que busca legislar sobre o “marco temporal”, assunto que o Supremo Tribunal Federal (STF) já pôs em pauta para ser julgado a partir de 07 de junho próximo. Outros quinze projetos de lei foram apensados ao PL 490. Com o carimbo de “urgente”, o PL 490 deverá ser votado na Câmara Federal hoje, 30 de maio. Isto é violência brutal, pois significa a Câmara Federal “passar a boiada” amordaçando as prerrogativas do poder executivo federal, que tem a missão constitucional de demarcar as terras indígenas. A Constituição de 1988 definiu que as terras indígenas deviam ser demarcadas dentro de cinco anos, a partir de 05 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, até 1993, mas já se passaram 35 anos e a postergação da demarcação das terras indígenas tem sido a regra. E, injustamente, as terras dos Povos Indígenas continuam griladas por empresas do agronegócio, por latifundiários e madeireiros.

Com isso, o genocídio indígena continua há 523 anos e a devastação ambiental promovida pelo agronegócio, desmatadores e garimpeiros segue em uma progressão geométrica.

Dia 7 de junho de 2023, o STF deve retomar o julgamento da tese do marco temporal, com “repercussão geral” reconhecida, que definirá se as demarcações de terras indígenas no país continuarão ou não, ou pior, se poderão ser canceladas várias demarcações já feitas. A partir de um caso concreto de conflito entre o Povo Indígena Xokleng e o Estado de Santa Catarina, pela “repercussão geral” já estabelecida pelo STF, o julgamento servirá de decisão que será parâmetro para todas as demarcações de terras indígenas no Brasil. Logo, é muito sério o que está em disputa no STF.

O que é a tese do marco temporal? Trata-se de uma farsa perpetrada no Congresso Nacional pela bancada ruralista em 2009, plantada no STF, durante o julgamento da Terra Indígena (TI) Raposa Terra do Sol, situada em Roraima: a inconsistente tese preconiza que os direitos territoriais dos Povos Indígenas só teriam validade se eles estivessem em suas terras em 5 de outubro de 1988 - data da promulgação da atual Constituição Brasileira. Falar em marco temporal é uma jogada, uma ficção jurídica de quem tem grandes interesses econômicos nos territórios indígenas: a turma do agronegócio, dos madeireiros, garimpeiros, latifundiários e empresários do campo, todos os que são adeptos do ídolo mercado, os que não amam o próximo e nem as próximas gerações, pois só pensam em lucrar e acumular capital, mesmo que deixando terra arrasada com sua agricultura mecanizada para produzir commodities para exportação. Marco temporal é marca do atraso, o nome elegante do genocídio, uma máquina de moer a história dos Povos Indígenas e nos empurrar para a dizimação da humanidade por falta de condições ambientais que assegurem a vida humana.

O que os capitalistas pretendem com a legitimação da tese do marco temporal? Pretendem anistiar os crimes cometidos contra os Povos Tradicionais relacionadas à escravidão, torturas, confinamentos em pequenos territórios, aprisionamentos, exílios, remoções forçadas, desterros, separação de familiares, assassinatos, apropriações indevidas de territórios tradicionais, desconsiderando assim as noções de reparação histórica, de dívida histórica com os Povos Originários, de resguardo cultural e imemorial, de direitos congênitos, imprescritíveis, intangíveis e da posse coletiva da terra.

O argumento do marco temporal é inconstitucional e inconvencional, ferindo, em especial, os artigos 231 e 232 da Constituição[2], além de desrespeitar a Convenção da Organização Internacional do Trabalho (OIT) n. 169, de 1989, ratificada pelo Brasil, que consagra os direitos culturais e territoriais, bem como a autodeclaração, como instrumento primaz da identidade étnica, além do reconhecimento das diferentes formas de ocupação, manejo e uso da terra.  Segundo a teoria do indigenato (Direito Originário), a terra é “originária” e, portanto, anterior à Constituição do Brasil, independente da data de comprovação da terra.  A tese do marco temporal é inconstitucional, porque, perseguidos, massacrados e expulsos, muitos Povos Indígenas não estavam em seus territórios originais em 5 de outubro de 1988, porque foram arrancados deles. Outros foram arrancados depois, por grileiros, latifundiários, garimpeiros e jagunços. Marco temporal serve ao agronegócio, que é devastador ambientalmente, desertificador dos territórios, concentrador da propriedade privada da terra, produtor da epidemia de câncer e da fome, asfixiador da agricultura familiar camponesa agroecológica, exterminador do futuro da humanidade.

Derrubar a tese do marco temporal se tornou necessário também por uma questão de sobrevivência da humanidade, pois já sabemos que foi o exagero de desmatamento que fez eclodir a pandemia da covid-19, já está comprovado que o agronegócio e seus aliados promovem desertificação dos territórios, desmatamentos sem fim e, portanto, o aquecimento global e a emergência climática. Já está demonstrado que nos territórios indígenas se pratica preservação ambiental, pois os Povos Indígenas são guardiões da floresta. É preciso recordar também que com a demarcação dos territórios indígenas, as terras não passam a ser de propriedade dos Povos Indígenas, que têm apenas o direito de usufruto não podendo vender a terra. As terras indígenas são da União, bem comum do povo. Portanto, derrubar o marco temporal é também caminho para frear a privatização e a grilagem de terras no Brasil.

Quem defende que o marco temporal é constitucional? Os ruralistas, deputados e senadores do centrão e da extrema-direita, os agronegociantes, os garimpeiros, mineradoras, os latifundiários e empresários que, além de ter grandes propriedades na cidade, são também grandes proprietários de terra; a mídia controlada por meia dúzia de famílias riquíssimas. Diz a sabedoria popular: “Diga com quem tu andas e o que defende que direi quem tu és”.

Quem defende a derrubada do marco temporal pelo STF? Todos os Povos Indígenas do Brasil, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o papa Francisco, Associação dos Juristas pela Democracia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), juristas e constitucionalistas de renome, os Movimentos Sociais Populares e Ambientais, enfim, as forças éticas da sociedade.

Caso não seja derrubada a tese do marco temporal no STF, o Estado não mais demarcará terras indígenas e várias das demarcadas poderão ser desmarcadas e, assim, a ausência de demarcação de terras, causará, no médio e longo prazo, um verdadeiro etnocídio e continuará o genocídio indígena no nosso país. Portanto, o justo e necessário é que o STF julgue derrubando a tese do marco temporal, porque é absurdo, inconstitucional e violação aos direitos dos Povos Indígenas/Originários! Em contexto não apenas de mudanças climáticas e de aquecimento global, mas de emergencial climática com eventos extremos cada vez mais frequentes e letais, impor o absurdo que é a tese do marco temporal é deixar abertas as porteiras para a contínua invasão dos territórios.

30/05/2023

Obs.: Os vídeos nos links, abaixo, ilustram o assunto tratado acima.

1 - Demarcação de Terras Indígenas, com Shirley Krenak, Moema Viezzer e Célio Turino

2 - STF Urgente. Relator Fachin reconhece a tutela dos territórios indígenas

3 - #LutaPelaVida - Igreja no Brasil reafirma seu compromisso com a causa indígena. Marco temporal, NÃO!

4 - AO VIVO. Semana de protestos no Brasil começa com os Povos Indígenas em Brasília.

5 - Em MG, 17 Povos Indígenas com 16 mil pessoas resistem na luta pelos seus territórios. 09/10/2020

6 - STF definirá em julgamento critérios de demarcação de novas terras indígenas. Fantástico. 24/5/2020

7 - Deus Tupã, o Grande Espírito e os Encantados contra o PL 490 e contra o Marco Temporal. Justiça, JÁ!

8 - “Sem Demarcação de terras indígenas não tem Democracia!”. Ato contra PL 490 e contra Marco Temporal

9 - Ato Público em BH/MG contra PL 490, contra Marco Temporal, por Demarcação das Terras Indígenas. V. 1



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

[2] Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. § 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes. § 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei. § 4º As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.

  Art. 232. Os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.

   

terça-feira, 23 de maio de 2023

Pedagogia camponesa: mística e segredos da luta por direitos. Por frei Gilvander

Pedagogia camponesa: mística e segredos da luta por direitos. Por frei Gilvander Moreira[1]

Mística de acolhida, na sombra de uma oiticica, na aula inaugural da EFA Jaguaribana, em abril de 2018 | Foto: Alisson Chaves

É emancipatória a força e a liberdade interior que fez o jovem camponês Sem Terra Oziel Alves Pereira, de 17 anos, durante o massacre de Eldorado dos Carajás, no Pará, dia 17 de abril de 1996, mesmo sob tortura, continuar gritando, até ser massacrado: “Viva o MST!” “A mística também evoca a materialização (geralmente simbólica) desse sentimento na beleza da ambientação dos encontros, nas celebrações, na animação proporcionada pelo canto, pela poesia, pela dança, pelas encenações de vivências que devem ser perpetuadas na memória, pelos gestos fortes, pelas homenagens solenes que se prestam aos combatentes do povo; lembra os símbolos do Movimento, seus instrumentos de trabalho e de resistência, seus gritos de ordem, sua agitação, sua arte” (CALDART, 2012, p. 213).

Em Salto da Divisa, no Baixo Jequitinhonha, MG, a música Religião Libertadora, do padre Zezinho, tem animado a mística das celebrações dos Sem Terra na luta pela terra: Diz a música: “É por causa do meu povo machucado que acredito em religião libertadora. É por causa de Jesus ressuscitado que acredito em religião libertadora ...”. Impossível compreender a luta pela terra em Salto da Divisa, nos últimos 30 anos, sem a presença marcante da Irmã Geraldinha (Geralda Magela), das Irmãs Dominicanas, e sem as frequentes celebrações religiosas na linha da Teologia da libertação, como canta, por exemplo, uma música que se tornou o hino da luta pela terra em Salto da Divisa: “Vem Senhor Jesus, vem conosco caminhar, ilumina nossa luta para essa terra conquistar (bis). Em toda a América Latina há muita gente sofrida em busca de libertação, muitos lavradores sem um pedaço de chão. Somos povo de Deus, em toda essa América Latina, a caminho da libertação. Queremos lutar para partilhar o pão. Somos povo de Deus, nesta pátria tão querida, queremos evangelização, para essa terra ser de gente, semente no chão” (HINO DA COMUNIDADE CRISTO LIBERTADOR do P.A Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, MG).

Com a pedagoga Rosely Caldart afirmamos que “a mística é exatamente a capacidade de produzir significados para dimensões da realidade que estão e não estão presentes, e que geralmente remetem as pessoas ao futuro, à utopia do que ainda não é, mas que pode vir a ser, com a perseverança e o sacrifício de cada um” (CALDART, 2012, p. 213). Na perspectiva da Comissão Pastoral d Terra (CPT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), do Movimento Indígena e dos Povos e Comunidades Tradicionais, na Teia dos Povos, em sintonia com a Teologia da Libertação, a mística é emancipatória também porque desperta nos sujeitos que lutam pela terra um jeito de lidar com as dimensões mais profundas da realidade que, muitas vezes, são imperceptíveis quando ficamos presos a racionalismos ou idealismos. Pela mística praticada pela CPT, MST e Movimentos Sociais as melhores luzes e forças do passado e do futuro potencializam o presente de luta pela terra na terra (MOREIRA, 2015).[2] O passado e o futuro se fazem presentes no presente, quando os sujeitos são enlevados pelo encanto da mística revolucionária e, portanto, emancipatória.

A luta pela terra em perspectiva emancipatória implica necessariamente também emancipação ecológica, o que passa pela mudança radical da agricultura capitalista e pela superação do agronegócio com uso indiscriminado de agrotóxico e inclui a implementação da agricultura camponesa com plantações em sistema agroecológico, o que é algo mais do que apenas adubação orgânica, significa um estilo de vida que leva a uma relação respeitosa com a terra, com as águas e com toda a biodiversidade.[3]

Emancipatória, também, é a formação constante e permanente para o cultivo dos valores humanos que sustentam a perseverança na luta pela terra e por território. Formação que acontece em um processo que envolve estudo, convivência na luta, troca de experiências entre quem está na luta pela terra e por território e, acima de tudo, participação em todas as lutas coletivas por direitos. A pedagogia camponesa é exercitada muito mais pelo exemplo do que pela teoria. Por isso, também, a importância da troca de experiência, pois uma experiência significativa vista com os próprios olhos por um/a camponês/a cativa e desperta o acolhimento de propostas boas que, se fossem apenas comunicadas de forma teórica com argumentação racional, provavelmente não teriam a repercussão de uma experiência vivenciada. A atuação da CPT, do MST, dos outros Movimentos Sociais, dos Povos Originários e Comunidades Tradicionais emancipa, ainda, porque de alguma forma consegue transformar o sem-terra em Sem Terra, o desterritorializado em sujeito com território, o que de ‘coitado que pede ajuda’ é elevado ou se eleva a ‘trabalhador/a camponês/a – indígena ou integrante de Povo Tradicional - que tem direito e merece respeito’ e passa a ser respeitado pelas forças políticas da sociedade como um exemplo de sujeito cidadão emancipador a ser seguido.

Para a CPT, o MST, o Movimento Indígena e os Povos Tradicionais a luta pela terra e por território é mais do que luta pela terra e por resgate de território, pois inclui: a) a luta pela conquista da terra e retomada de território, a resistência na terra e nos territórios com administração autônoma segundo os princípios da autonomia dos Povos que passa por agroecologia, trabalho coletivo e sustentabilidade ecológica; b) a luta por educação para além do capital, educação do campo de forma emancipatória; e c) exige abraçar a luta pela transformação social, política e econômica da sociedade na perspectiva da construção de uma sociedade para além do capital: uma sociedade socialista, sem exploração de classe e sem exploração do trabalho da classe trabalhadora e nem expropriação das terras da classe camponesa, dos Povos Originários e nem dos Povos Tradicionais.

Referências

CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 4ª Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.

MOREIRA, Gilvander Luís. Entre sinais e conflitos, se requer opção de fé (Jo 5,1-8,5). In: SABOYA, Marysa Mourão (Org.). Amar sem limites, nas trilhas das comunidades do Discípulo Amado. São Leopoldo: CEBI, p. 50-65, 2015b.

23/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - “Não ao Marco Temporal! Demarcação de todos os Territórios Indígenas e Tradicionais, JÁ!” Enc. POVOS

2 - Ato Público no início do Encontro de Povos Tradicionais de MG: em defesa dos Territórios e Consulta

3 - Audiência Pública na ALMG: ilegalidades e violências da mineradora Santa Paulina em Ibirité, MG!

4 - Preservação total, integral, 100% da Mata do Jd. América em BH/MG: Dever, direito e necessidade-vida

5 - Mineradora Sta Paulina em Ibirité/Sarzedo/MG acabará c água de 700 mil pessoas /Agricultura Familiar

6 - Ato Público e Marcha denuncia violações aos direitos do Quilombo do Campinho em Congonhas, MG


[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Cf. MOREIRA, Gilvander Luís. Entre sinais e conflitos, se requer opção de fé (Jo 5,1-8,5), p. 50-65, especialmente p. 55 a 59, onde tratamos da partilha de pães, pedagogia que liberta e emancipa (Jo 6,1-15). In: SABOYA, Marysa Mourão (Org.). Amar sem limites, nas trilhas das comunidades do Discípulo Amado. São Leopoldo: CEBI, 2015b.

[3] Exemplo disso está retratado no vídeo documentário “Resistir e saber cuidar – experiências agroecológicas em Assentamentos da Reforma Agrária”. Direção e roteiro de Cecília Figueiredo. Brasília: MST, Triângulo Produções, 2006. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=-oedHfalprM 

terça-feira, 2 de maio de 2023

Agronegócio solapa a soberania dos Povos. Por frei Gilvander

 Agronegócio solapa a soberania dos Povos. Por frei Gilvander Moreira[1]

O agronegócio predador envenena a terra e mata gente. Estudos científicos dão sinais do inquestionável e urgente enfrentamento efetivo dos males dos venenos agrícolas. Foto: Reprodução www.brasildefato.com.br

Na era da financeirização do capital e da especulação exacerbada do grande capital, imperam relações transnacionais pouco controladas pelos governos dos Estados nacionais. O Estado capitalista está em crise aguda transbordando contradições. O capitalismo quanto mais se desenvolve mais brutal e podre se torna. Nesse contexto do capital e do capitalismo, o movimento de luta pela terra para superar o ‘cativeiro da terra’, seu aprisionamento em estrutura fundiária pautada no latifúndio, tornou-se imprescindível para a formação do novo sujeito social para além do capital. Sem desconcentração da propriedade fundiária, sem reforma agrária e sem resgate dos territórios pelos povos originários (indígenas), pelo campesinato e pelos Povos e Comunidades Tradicionais não conquistaremos a superação da injustiça social, urbana e ambiental. “É preciso esvaziar as cidades e os povos reconquistarem seus territórios”, alerta o mestre Joelson Ferreira, articulador da Teia dos Povos.

Na América afrolatíndia, estamos diante de evidências da emergência de formações sociais plurinacionais a partir das lutas populares na Bolívia e Equador. Nunca estará tudo dominado. A história não acabou. O sistema do capital tem um poder de dominação gigantesco ao olharmos com base nele – perspectiva hegemônica -, mas se olharmos considerando a classe trabalhadora e o campesinato – o profundo das relações sociais, o contra-hegemônico -, percebemos que o sistema do capital está recheado de contradições e inconsistências, é um gigante, mas com pés de barro. Já alertava José de Souza Martins, em 1989, no livro Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo que “nas sociedades ricas e nos espaços ricos das sociedades pobres, a reprodução e o poder dominam a superfície, o espaço, o imaginário, mas não dominam o subterrâneo, os nichos do contrapoder, a imaginação” (MARTINS, 1989, p. 119).

Como muitos outros movimentos populares, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 1975, e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), desde 1984, pelas suas práxis, se tornam sujeitos históricos que “transformam demandas individuais em propostas coletivas. [...] como força política, consolidam saberes, e avançam na conquista de suas reivindicações. Deixam evidentes as contradições do modelo de acumulação implementado na modernidade, rejeitando sua racionalidade, com vistas à construção de novos padrões de produção e trabalho” (PIETRAFESA, 2015, p. 100).

A luta pela terra potencializa e politiza os sujeitos dela ampliando o protagonismo dos camponeses na produção de novos projetos de sociedade, na construção de uma cultura política que se contrapõe à cultura hegemônica da lógica do capital e na formação de contra-saberes que são disseminados na sociedade pelo protagonismo dos sujeitos sociais engajados. As ações de resistência política dos sujeitos da luta pela terra se revestem de transgressão e de inovação na gestão territorial, após (re)conquistarem alguns territórios. “Se ocuparmos e não administrarmos de forma própria e direta os nossos territórios seguindo os princípios da sustentabilidade, crescerá sempre o agronegócio. Nossa presença e atuação nos territórios precisam ser no sentido de resgatar a confiança dos animais conosco seres humanos. Se envenenarmos a terra, as águas e o ar e matarmos os animais, não somos dignos de habitar aqueles territórios. Temos que ser autoprodutores, autônomos, e não depender de Estado e nem de governos” (CACIQUE BABAU, do povo indígena Tupinambás, do sul da Bahia, no IV Congresso da CPT, dia 12/7/2015).[2]

A luta pela terra é também luta por soberania, uma vez que “os perigos para a soberania não estão, portanto, sempre vinculados a guerras, conquistas e defesa de fronteiras” (APPADURAI, 1997, p. 37), não vem só do exterior, mas é no interior dos territórios que, de forma disfarçada, mas contundente, os representantes do capital internacional fincam suas bandeiras, via agronegócio, e vão solapando a soberania dos povos da terra auferindo lucros absurdos à custa de uma tremenda devastação socioambiental. Exemplo disso é Aimorés, MG, onde o fotógrafo Sebastião Salgado nasceu e foi criado. O filme O Sal da Terra, biografia de Sebastião Salgado, retrata as apropriações da terra sob o signo do capital causando inclusive migrações forçadas de populações em muitas regiões do mundo.

Baseando-se na necessidade, sentida de forma dramática, de um pedacinho de terra, os Sem Terra, os indígenas e Povos e Comunidades Tradicionais, na luta coletiva pela terra e por território, ampliam a consciência e começam a perceber que têm muitos outros direitos a conquistar e, acima de tudo, descobrem que podem mais, que não são tão fracos como se sentiam antes ou como a ideologia hegemônica dissemina aos quatro ventos e tenta impregnar as consciências para reproduzir pessoas resignadas e conformadas.

A luta pela terra e por território tem uma imensa força, uma centralidade. Pelo trabalho coletivo, os Sem Terra, os Povos Originários e os Povos Tradicionais conquistam o início da interrupção da mercantilização da terra e o começo da democratização da terra, o que passa inclusive pela afirmação de outra política econômica, construída com base nas necessidades do povo e não no lucro e na superexploração da força de trabalho da classe trabalhadora e do campesinato.

A mesma terra que foi expropriada passa a ser força de luta pela reconquista de identidades. Os geraizeiros, os quilombolas, os indígenas, os vazanteiros, os seringueiros, os groteiros, os/as apanhadores/as de flores ‘sempre viva’ etc., enfim, as várias faces do campesinato percebem que sem-terra e sem território serão dizimadas e perderão suas identidades, mas só podem afirmar suas identidades na luta pela terra e pelo território. Para continuar existindo, resistem e insistem na luta coletiva pela construção de um Projeto Popular para construirmos uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, sustentável ecologicamente, politicamente democrática, plural culturalmente e responsável geracionalmente.

Referências

APPADURAI, Arjun. Soberania sem territorialidade – notas para uma geografia pós-nacional. In: Novos Estudos, CEBRAP, São Paulo, n. 49, p. 33-46. Nov./1997.

MARTINS, José de Souza. Caminhada no chão da noite: emancipação política e libertação nos movimentos sociais do campo. São Paulo: HUCITEC, 1989.

PIETRAFESA, José Paulo. Conflitos agrários, protagonismo camponês e ocupações de terra no Brasil. In: Conflitos no campo Brasil 2015. Goiânia: CPT Nacional, p. 100-108, 2015.

02/05/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 - Marco temporal: terra para os Povos Indígenas ou para o agronegócio devastador? Por Frei Gilvander

2 - Leo Péricles, UP: É c luta p retomar territórios no campo e na cidade q vamos superar o capitalismo

3 - Primeiro de Maio 2023 em BH/MG: Fora, Zema! Reconstruir o Brasil com direitos trabalhistas e sociais

4 - Soberania Alimentar com Vandana Shiva. Agronegócio e agrotóxicos matam! Dia da alimentação. 16/10/20

5 - Você sabe de onde vem a sua comida? O agronegócio envenena a comida do povo. Episódio 1 – Greenpeace

6 - "Libertar do agronegócio" (Jefferson/Sindieletro). Acampamentos do MST/Campo do Meio/MG. Vídeo 7



 

 

 



[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com  – www.gilvander.org.br  – www.freigilvander.blogspot.com.br       –       www.twitter.com/gilvanderluis         – Facebook: Gilvander Moreira III

 

[2] Cf. Palavra Ética na TVC/BH com o cacique Babau, do povo indígena Tupinambás, na internet em https://www.youtube.com/watch?v=Iq5Q2BafTEE